MÁRTIR

Cia. Arthur-Arnaldo propõe reflexão sobre intolerância religiosa e os discursos de ódio em Mártir, do autor alemão Marius Von Mayenburg

Com direção de Soledad Yunge, espetáculo reestreia no dia 12 de janeiro no Teatro Cacilda Becker. A entrada é gratuita, com distribuição de ingressos uma hora antes de cada sessão

Fotos de Edson Kumasaka

O fundamentalismo religioso, os discursos de ódio e a violência provocada pela intolerância, pautas cada vez mais atuais no Brasil, são os temas da peça Mártir, de Marius Von Mayenburg, um dos principais nomes do teatro alemão contemporâneo. A trama narra a transformação do jovem Benjamin, que, ao começar a ler a Bíblia, para de frequentar as aulas mistas de natação na escola porque elas ferem seus sentimentos religiosos.

A mãe do protagonista atribui o seu novo comportamento, a um possível envolvimento com drogas ou a conflitos com sua sexualidade. A única que parece se preocupar com ele é Érica, sua professora de biologia, que logo vira alvo dos ataques do menino.

Benjamin mergulha profundamente na Bíblia e usa trechos das escrituras sagradas para combater radicalmente a ciência e qualquer fé diferente da sua. Ele cria para si uma verdade absoluta e inabalável a medida em que vai criando conflitos com os outros personagens. O espetáculo mostra essa trajetória da conversão religiosa até a radicalização do discurso, uma forma de “crucificação” da alteridade.

Com direção de Soledad Yunge, o espetáculo levanta questionamentos: até que ponto as pessoas estão dispostas para aceitar a fé das outras? Em que circunstância elas devem impor as próprias crenças? Como elas se comportam ao se deparar com doutrinas diferentes das suas? Qual é o limite entre um discurso de mudança e um comportamento extremista? O que é a verdade? Como alguém é capaz de transformar uma opinião em “verdade absoluta” para justificar os próprios desejos?

A ideia de pesquisar cenicamente esses temas surgiu em 2015, depois que a Cia. Arthur-Arnaldo ministrou oficinas de teatro em escolas públicas e particulares no projeto #JOVENS contemplado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo. Na ocasião, os artistas perceberam a existência de uma juventude religiosa que tem ganhado força nos últimos anos.

“Ao finalizar a leitura de ‘Mártir’, tive o impulso de começar a ensaiar imediatamente e tornar tridimensional as sensações que o texto despertou. A agilidade dos diálogos cortantes e precisos em contraponto aos solilóquios de citações bíblicas me lançou em um redemoinho, no qual vozes e forças se confrontam constantemente. Ao longo das 27 cenas somos convocados o tempo todo a pensar nas nossas crenças e traçar os limites em relação a temas como racismo, sexualidade, machismo, religião, extremismo, deficiência entre outros”, comenta Yunge.

A cenografia de Rafael Souza cria um espaço fictício único a partir de dois elementos simples, cadeiras e mesas, que poderiam ser encontrados em qualquer um dos diversos ambientes da narrativa. Todos atores o ocupam simultaneamente, de forma que as cenas borram seus limites e seguem o fluxo vertiginoso da dramaturgia. A iluminação, por sua vez, fragmenta este espaço híbrido e dá visibilidade às trajetórias.

A montagem é parte do projeto )Entre Jovens( contemplado pela 30a edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo. O elenco conta com a participação dos atores: Ana Andreatta, Carlos Morelli, Edu Guimarães, Georgina Castro, João Bienemann, Júlia Novaes, Taiguara Chagas e Tuna Serzedello.

Escrita em 2012, a peça ficou em cartaz no Teatro Schaubühne em Berlim com direção do próprio autor. Foi descrita pelo jornal britânico The Guardian como “provocativa e terrivelmente engraçada” por ocasião da montagem britânica do texto em 2015. A tradução do texto alemão para o português, assinada por Christine Röhrig, foi concedida à Cia. Arthur-Arnaldo pelo Goethe Institut.

MARIUS VON MAYENBURG
Considerado um dos maiores representantes do teatro alemão contemporâneo, o dramaturgo, diretor e tradutor Marius von Mayenburg nasceu em 1972, em Munique. Ele estudou dramaturgia na Universidade das Artes em Berlim. Desde 1999, trabalha na Berliner Schaubühne am Lehniner Platz, como dramaturgo residente e diretor junto com o reconhecido encenador Thomas Ostermeier. Já recebeu os Prêmios Kleist-Förderpreis de dramaturgia jovem e da Fundação de Autores de Frankfurt. Além de “Mártir”, suas peças já traduzidas para o português são “Cara de Fogo”, “Senhorita Danzer”, “O Feio” e “Parasitas”.

SOLEDAD YUNGE
Formada em Artes Cênicas pela ECA-USP, pela Desmond Jones School of Mime and Physical Theatre e pela École Philippe Gaulier, ambas na Inglaterra, a diretora, produtora e arte-educadora Soledad Yunge é fundadora da Cia. Falbalá, da Cooperativa Paulista de Teatro (CPT). Ela participou do programa Teatro Vocacional, da Prefeitura de São Paulo, e foi uma das diretoras dos projetos Fábricas de Cultura e Ademar Guerra, ambos do Governo do Estado de São Paulo. Algumas das peças dirigidas por ela são “Vovó Rock and Roll”; “Os Pés Murchos x Os Cabeças de Bagre”, de Tuna Serzedello; “Autobahn”, de Neil Labute; “Vernissage” e “A Audiência”, ambas de Václav Havel; “A Dança do Universo”, de Oswaldo Mendes; entre outras. Yunge é produtora na Cia. Arthur Arnaldo desde 2000 e colabora artisticamente em todos os trabalhos do grupo. Além disso, ministra oficinas e cursos teatrais.

CIA. ARTHUR-ARNALDO
Criada em 1996, a Cia. Arthur-Arnaldo tem sua linha de pesquisa atrelada a temas sociais e políticos. Desde 2006, o grupo dedica-se à montagem de textos voltados para o público jovem, foi indicada várias vezes ao Prêmio FEMSA de Teatro Jovem, entre outros. Alguns dos trabalhos mais recentes da Companhia são “Rolê” (2015) e “Os Pés Murchos x Os Cabeças de Bagre” (2014), ambos com texto de Tuna Serzedello; “Coro dos Maus Alunos” (2013), de Tiago Rodrigues; “Feizbuk”, de José Maria Muscari; e “DNA” (2009), de Dennis Kelly.

SINOPSE
Benjamim não quer mais frequentar as aulas de natação na escola. Sua mãe acha que ele está usando drogas ou tem conflitos com seu corpo. Mas, na verdade, o jovem encontrou Deus, e as aulas mistas ofendem os seus princípios religiosos. Fundamentalismo e intolerância são os principais temas desta provocadora peça, que também questiona: até onde somos capazes de chegar para aceitar a fé do outro? Quando devemos impor as nossa próprias crenças?

FICHA TÉCNICA
Texto: Marius Von Mayenburg
Tradução: Christine Röhrig
Elenco: Ana Andreatta, Carlos Morelli, Edu Guimarães, Georgina Castro, João Bienemann, Júlia Novaes, Taiguara Chagas e Tuna Serzedello.
Direção: Soledad Yunge
Assistente de Direção: Luisa Taborda
Trilha sonora original: Fabio Muepetmo
Cenário, Figurino e Iluminação: Rafael Souza
Produção Executiva: Carú Lima
Direção de produção: Soledad Yunge
Realização: Cia. Arthur-Arnaldo da Cooperativa Paulista de Teatro
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio

SERVIÇO
“Mártir”, da Cia. Arthur-Arnaldo
Teatro Cacilda Becker – Rua Tito, 295 – Lapa
Temporada: de 12 de janeiro a 4 de fevereiro
Às sextas e aos sábados, às 21h, e aos domingos, às 19h
*Sessão extra ocorre no dia 25 de janeiro, às 21h
Ingressos: grátis, com distribuição de convites uma hora antes de cada sessão
Duração: 80 minutos
Classificação: 14 anos
Lotação: 198 lugares