PSICOTRÓPICO

Ator e diretor italiano Alvise Camozzi reestreia Psicotrópico no teatro da SP Escola de teatro na praça Roosevelt

Imigração, tentativa de voltar pra casa, perda e traição: entre o onírico e o hiper-realismo, espetáculo provoca o espectador a compor suas próprias narrativas

Fotos de Gabriel Godoy:
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 O espetáculo Psicotrópico pega emprestado da ciência o termo “psicotrópico” (dado às substâncias que agem no sistema nervoso central, com efeitos alucinógenos ou estimulantes que modificam nossa percepção de mundo) e conta, por meio de diferentes narrativas, a história de uma impossível volta para casa. Depois da temporada de sucesso no SESC Ipiranga, a reestreia acontece no dia 19 de novembro na SP Escola de Teatro.

Um imigrante que precisa retornar. Um artista perdido na floresta. Uma mulher que deve estar morta até o final da peça. A voz de uma criança que faz perguntas difíceis. Um ator, um atraso, uma viagem.

A palavra, uma vez separada nos dois termos (psyché e trópico), pode assumir novos significados diversamente sugestivos. Psyché, como alma e respiro, palavra antiga que dificilmente pode encontrar sua definitiva tradução moderna; e Trópico, etimologicamente “relativo a uma volta”, aqui pensada não somente como área geográfica e climática, mas também como lugar político, social e cultural.

Com concepção do Núcleo Artístico Società Anonima e dramaturgia, direção e atuação de Camozzi, Psicotrópico é estruturado em cinco narrativas ficcionais apresentadas numa rede de fragmentos organizados de maneira aparentemente aleatória, compondo uma partitura narrativa livremente inspirada ao sistema dodecafônico de Arnold Schönberg.

Os fragmentos ficcionais são atravessados por uma linha dramatúrgica alusiva ao ‘nostos’ (palavra que em grego designava o motivo literário relativo a ‘volta pra casa’) –que por sua vez remete a experiências biográficas do próprio ator, nascido em Veneza: a volta ao lar original, na Europa,para acompanhar o falecimento da mãe, e posteriormente, o retorno para a casa atual, nos Trópicos.

O entrelaço das diferentes narrativas, biográficas e ficcionais, se desenvolve de maneira linear e sequencial, induzindo assim, no propósito dos criadores, uma espécie de desnorteamento no espectador para deixá-lo livre para compor suas próprias ressignificações.

O espetáculo é resultado de reflexões sobre a mobilidade contemporânea, as migrações e a memória. O episodio biográfico central da narrativa é a espera do protagonista no aeroporto para chegar a sua cidade natal. A espera corresponde ao atraso que não permitirá ao narrador acompanhar a morte da mãe.

A tentativa de anulação da espera, se torna, dentro do espetáculo, o motivo recorrente que quebra e interrompe a narrativa abrindo ao publico possibilidades de ressignificações, solicitando no espectador reflexões sobre a perda e as diversas condições do“estar no tempo moderno”.

Na sociedade contemporânea, a espera pertence à representação quantitativa do tempo, à sua valoração de eficiência, à orientação baseada na programação do tempo futuro. O sujeito que aguarda/espera é deslocado de seu tempo; o lugar que habita é um ‘não-lugar’. A tensão permanente nas nossas cidades é a de anular o tempo de espera. Esperar é um problema da modernidade, do movimento perpétuo e rápido, das mercadorias e das pessoas, mas também das ideias, das palavras e das memórias.

O migrante é a figura social que habita esse ‘não-lugar’ contemporâneo. O ‘Ser migrante’pode ser interpretado como condição universal do habitante do tempo presente. Respeitando as diversas e específicas experiências e realidades, todos somos desenraizados, e não somente porque viemos, muitos de nós, de outras cidades, estados, continentes, mas, principalmente, devido às grandes transformações às quais fomos condicionados, com uma velocidade tal que perdemos o senso de estar no tempo.

Nossa memória, por sua vez, é breve, relegada às máquinas; nosso futuro próximo tão curto, porque condicionado pelo lema da crise permanente, seja essa econômica, política, ética, climática – o que dificulta uma projeção distante de nossas expectativas e torna nosso presente fragilmente manipulável, como os valores de autonomia e independência perseguidos por todo o século XX que hoje declinaram massivamente, motivados por outros estímulos culturais, medidos por cotas de conquista e sucesso do indivíduo em detrimento da coletividade.

Através da combinação simbólica dos diversos elementos – esculturas, cenografia, desenho de luz, videoprojeções e sonoridades – que se manifestam em cena de maneira independente o espetáculo teatral potencializa ao público a possibilidade de uma fruição estética ‘aberta’ e não autoconclusiva.

Ficha Técnica
Concepção: Núcleo Artístico Società Anonima
Dramaturgia, direção e atuação: Alvise Camozzi
Pesquisa e cenografia: William Zarella Jr.
Desenho de luz: Guilherme Bonfanti
Figurino: Marina Reis
Pesquisa sonora: Daniel Maia e Gustavo Arantes
Concepção de vídeos e mapping: Grissel Piguellem
DJ set ao vivo: Gustavo Arantes a.k.a Dj Goonie
Assistente de luz e operador: Aldrey Hibbeln
Direção de produção: Rachel Brumana
Produção: Substância Produções Artísticas
Foto: Gabriel Godoy

Serviço
Temporada: 19/11 a 11/12/2016 Sábado 21h, Domingo 20h, e Segunda às 21h. Local: Escola SP de Teatro  (30 lugares). Não recomendado para menores de 14 anos
Onde: SP Escola de Teatro, praça Roosevelt – sala R8. Praça Roosevelt, 210, metrô República, 3775-8600
Quando: Sáb., 21h; Dom., 20h e 2ª, 21h. Até 11/12.
Quanto: R$ 20,00 e R$ 10,00
Duração: 60 min
Classificação: 14 anos