MEDEIA: 1 VERBO
MEDEIA: 1 VERBO está em cartaz até 30 de novembro
Espetáculo do Grupo Folias, com direção de Marco Antonio Rodrigues e texto de Sérgio Roveri, faz uma adaptação da tragédia grega de Eurípides e põe Medeia atrás das grades
Fotos: http://tinyurl.com/kk8fsuh
Escrita pelo dramaturgo grego Eurípides por volta do ano 430 A.C., a tragédia Medeia atravessou os séculos sem jamais perder uma fração do seu fascínio e da sua inigualável capacidade de produzir assombro. A história da mulher que mata os dois filhos com as próprias mãos como forma de se vingar do marido que a abandonara, extrapolou há muito os limites do teatro para se estabelecer como um símbolo de repulsa e espanto no imaginário da sociedade ocidental. É sobre esta mulher, provavelmente a mais notória personagem feminina da dramaturgia mundial, que o Grupo Folias volta os olhos em seu mais recente trabalho, Medeia: 1 Verbo, que está em cartaz no galpão da companhia, na Rua Ana Cintra, região central da cidade. O espetáculo marca o retorno do diretor Marco Antonio Rodrigues ao grupo, depois de um hiato de quatro anos.
A peça Medeia:1 Verbo, de autoria do dramaturgo Sérgio Roveri, que este ano recebeu sua terceira indicação ao Prêmio Shell de melhor autor, não é apenas uma releitura do texto clássico: é uma adaptação radical que criou um novo contexto e uma nova época para o desenrolar da história. A montagem transporta os personagens principais da tragédia original para um tempo muito mais semelhante ao nosso do que ao vivido pelos antigos gregos. A ação é ambientada em um presídio feminino para onde Medeia (Nani de Oliveira) é conduzida sob a acusação de ter matado os dois filhos. Neste cenário hostil, ela tem de enfrentar sozinha a gravidade das acusações feitas por Creonte (Dagoberto Feliz), um misto de tirano e empreendedor, pelo ex-marido Jasão (Zé Geraldo Jr.), marinheiro ambicioso que a trocou por Glauce (Ana Nero), filha de Creonte, e por um coro de prisioneiras representado por quatro atores (Rafa Penteado, Juliana Grave, Fábio Joaquim do Vale e Ana Nero). Há, ainda, a circular pelo presídio, a presença inesperada do próprio Eurípides (Gabriel), resgatado do passado para reescrever a tragédia que o imortalizou.
Ao contrário do que ocorre na tragédia original, nesta encenação Medeia é contemplada com o benefício da dúvida: os filhos, que surgem nas cenas de flashback produzidas por sua consciência alterada, estão desaparecidos, mas não existem provas de que ela realmente os tenha assassinado. A personagem agarra-se à tese de que uma sociedade violenta e insana pode ter representado para as crianças um perigo muito mais real do que suas ameaças de mulher vingativa e com o orgulho ferido.
“Medeia é um texto que sempre me assustou. Mesmo sendo muito mais que isso, esta história da mãe que mata os dois filhos que ama está para além de trágica”, afirma o diretor Marco Antonio Rodrigues. “No entanto, a banalidade e frequência com que este tipo de crime ocorre hoje em dia são sinônimos de angústia que não cala, não sara e não diminui. Por isso, pensei duzentas vezes em alguma desculpa sólida para recusar o convite que a Nani de Oliveira e o Dagoberto Feliz me fizeram em nome do Folias, grupo de quem também sou pai. Mas quanto mais eu remexia no tema, mais me vinham motivos para aceitar o desafio”.
O diretor afirma que o que mais pesou em sua decisão de encampar o projeto foi a possibilidade de rever a história, de procurar entender como reage uma personalidade como a da Medeia, ferida de dor por um mundo no qual ela já não cabe, ou talvez nunca tenha cabido. “Mas para me aventurar na concepção deste espetáculo, eu precisava de um texto que não fosse o original do Eurípides”, diz. “Quando o dramaturgo Sérgio Roveri concordou em escrever esta adaptação, perdi os bons motivos para recusar. Agora era definitivo”. O diretor e o dramaturgo já haviam trabalhado juntos na peça “A Coleira de Bóris”, em 2007, sendo os dois indicados ao prêmio Shell daquele ano em suas categorias.
O dramaturgo Sérgio Roveri afirma que dois elementos foram fundamentais no seu processo de adaptação: o benefício da dúvida sobre Medeia ter ou não matado os filhos e a ambientação da história num presídio feminino. “A Medeia da tragédia original não precisou prestar contas a ninguém. Após assassinar as crianças, ela fugiu impune no carro do Sol, sem deixar que Jasão pudesse ao menos se despedir dos filhos mortos”, diz. “Aqui, ao contrário, a personagem está sendo julgada, questionada. O clima que impera na encenação é o de um tribunal implacável. Medeia está sozinha diante de uma cidade que nunca a desejou por perto”. O dramaturgo acrescenta que, nesta adaptação, a prisão de Medeia não é consequência apenas da suspeita de assassinato das crianças que recai sobre ela. “Ela é trancafiada também por ser uma mulher que enxerga demais, por ver aquilo que ninguém na cidade quer ver, como os linchamentos, as balas perdidas e os desmandos dos governantes. Talvez este tenha sido seu verdadeiro crime: ser um grande incômodo urbano”.
Os figurinos de Fernando Fecchio remetem aos elementos da cultura latino americana e o cenário de Flavio Tolezani utiliza grades de presídio para delimitar a área de atuação do elenco. “A encenação é muito simples. O meu trabalho de encenador aqui é o de organizar as angústias em torno desta história que todo mundo conhece”, diz o diretor. “Interpretar os motivos e colocá-los de pé a partir das palavras, do que negam, omitem, ou afirmam é a natureza desta encenação”.
Medeia: 1Verbo marca o retorno de Marco Antonio Rodrigues ao grupo Folias, do qual estava afastado havia quatro anos. “Voltar a dirigir o Folias depois deste tempo é muito paradoxal. Às vezes é como se o tempo tivesse se congelado e eu nunca tivesse saído dali”, afirma. “Mas às vezes eu me sinto como um intruso, sem saber direito onde é o banheiro. Ao mesmo tempo, para uma arte tão frágil como o teatro, é bonito você ver aquele palco de pé, adulto, rosnando e rugindo, porque você sabe que foi um dos protagonistas desta história e sente lá no fundo um certo orgulho cretino, por ter-se provado, com sua ausência deliberada, que é possível pertencer sem ser proprietário. Fazer parte sem possuir. Abandonar porque a história tem vida própria”.
A atriz Nani de Oliveira, que ao lado do ator Dagoberto Feliz foi uma das idealizadoras deste projeto contemplado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro, afirma que com este espetáculo o Grupo Folias tenta refletir sobre o quanto é difícil silenciar diante das tragédias diárias que nos assombram por todos os lados e todos os dias. “Quem sabe fazer Medeia não seja uma tentativa de transformar a dor que é sombra em sol abundante?”, diz a atriz. “Fazer Medeia: 1 Verbo oferece, antes de tudo, o prazer de poder dizer um texto de uma intensidade absurda e de uma sensibilidade rara. Nossa Medeia é só nossa. Ela é como eu imaginei que deveria ser, uma mulher que sabe de sua potência e de sua dor”.
SINOPSE: Medeia é levada para um presídio feminino onde enfrenta as acusações de ter matado os dois filhos. Mas não há como comprovar o crime, já que as crianças estão desaparecidas. No presídio, o próprio Eurípides escreve os novos rumos desta tragédia.
Ficha Técnica
Direção: Marco Antonio Rodrigues. Texto: Sérgio Roveri. Elenco: Nani de Oliveira (Medeia), Dagoberto Feliz (Creonte), Zé Geraldo Jr. (Jasão), Gabriel (Eurípides), Ana Nero (Gláucia e coro), Rafa Penteado (filho de Medeia e coro), Fábio Joaquim do Vale (filho de Medeia e coro) e Juliana Grave (coro). Assistente de direção: Humberto Vieira. Design de luz e som: Tulio Pezoni. Cenário: Flavio Tolezani. Figurino: Fernando Fecchio. Produção Executiva: Inês Teixeira. Realização: Folias D’Arte
Serviço
Medeia: 1 Verbo.
Onde: Galpão do Folias, Rua Ana Cintra, 213, Santa Cecília, tel.: 3361-2223. Metrô Santa Cecília. Temporada: estreia 5 setembro até 30 de novembro. sextas e sábados às 21h e domingo às 20h. Ingressos: R$ 40 inteira e R$ 20 meia-entrada. R$ 10 para os moradores de Santa Cecília. Estacionamento com convênio. Lotação: 96 lugares. Classificação etária: 14 anos. Reservas pelo telefone: (11) 3361-2223.